«No
dia 02 de Novembro de 2013 passaram precisamente 500 anos sobre a atribuição de
Foral ao povo da Sanguinheda.
Foi
na sequência de vasta reforma administrativa do Reino que D. Manuel I atribuiu
ao povo da Sanguinheda carta de foral, assim como veio a atribuir oito dias
depois foral ao povo de Pombeiro e oito meses depois ao de Arganil e de outras
terras dos bispos de Coimbra.
Como
todos os seus congéneres, este foral reveste-se de alguma importância para o
conhecimento do povo da Sanguinheda e da sua terra.
Segundo
esta carta, haviam primitivamente onze casais aforados no concelho da
Sanguinheda: seis neste lugar e cinco na Carapinha. Eram aforados a foro de
novena, ou seja, da produção de pão, vinho, linho e legumes era devida uma nona
parte ao senhorio. Além disto, cada lugar tinha ainda outras quantias a pagar
anualmente. Na Sanguinheda eram devidos quatro alqueires de trigo, dois
alqueires de milho, dois almudes de vinho, quatro jeiras – dia de trabalho para
o senhorio – e um capão pelo Natal. Na Carapinha pagavam um alqueire de trigo,
outro de trigo amassado e outro de milho. Haviam ainda outros casais na Moita e
no Lufreu, que apesar de não serem aforados a foro de novena, como os anteriores,
também tinham obrigações para com o senhorio. O da Moita pagava meio carneiro,
podendo vender o casal nestas condições pelo preço que conseguissem, sendo
devido um nono do produto da venda ao senhorio. Os da quinta do Lufreu deviam
ao senhorio um oitavo do linho produzido, um alqueire de trigo e dois de trigo
amassado, um almude de vinho, um frango, um capão e quatro jeiras. A requisição
destas jeiras era interdita quando os lavradores estavam nos seus trabalhos, “a
semear ou debulhar seu pam ou vindimar”. Os senhores eram ainda
obrigados a dar-lhes de “comer honestamente” ou então a pagar-lhes a
jeira a oito reais.
Do
“bollo de monte mayor” proveniente das rendas apenas se tirava um
alqueire de trigo para ser entregue ao mordomo que recolheu as ditas rendas
quando a colheita fosse boa: “[o dito alqueire se] opoerá per juramento
de que o senhorio deva seer contemte”.
Os
montados e os maninhos, que eram terrenos para pastagem de animais ou que
ficavam sem herdeiro por morte do seu dono, eram do usufruto daqueles onze
casais primitivos, cabendo ao concelho fazer a sua distribuição.
O
tabelião não pagava pensão, que de outro modo reverteria para o senhorio.
Outras
situações, como o gado de vento, pena de arma, portagem e pena de foral eram
remetidas para o foral da Lousã, que as tinha devidamente discriminado. O gado
de vento ou erradio era de direito real, podendo a pessoa a quem ele viesse ter
inscrevê-lo em seu nome no prazo de dez dias. Da pena de arma, ou crime com
armas, aplicar-se-ia uma coima de duzentos reais, mas apenas em circunstâncias
devidamente regulamentadas. Pagavam portagem todos os que eram de fora do concelho
e aí comprassem ou vendessem certos produtos com a intenção de fazer negócio,
como cereais, frutas, hortaliças, linhaça, pescados, mariscos, sal, vinho e
cal. Era aberta excepção aos enviados do Rei. O montante do imposto variava
consoante a quantidade de mercadoria transportada: podia ir desde dois reais de
dois ceitis, caso fosse transportada em carros ou carretas, até um ceitil, se a
mercadoria transportada fosse inferior à de “um costal” ou seja, a
mercadoria “que um homem pode trazer aas costas”. Quem
desrespeitasse estas régias disposições incorria em pesadas penas.
É
um foral idêntico a muitos outros forais manuelinos em certos direitos, já que
nestes casos havia uma tendência para a uniformização, já sem o carácter
político e diferenciador, base do poder local, que caracterizava os chamados
forais velhos. Por exemplo, as cláusulas referentes à pena de armas, pena de
foral, ao gado de vento e em certa medida aos montados e maninhos e à portagem,
com pequenas alterações circunstanciais, são mais ou menos idênticos em muitos
concelhos. Da mesma maneira, são concedidas importantes protecções aos
foreiros, como a proibição da prestação das jeiras em certos dias e a obrigação
do cumprimento rigoroso das cláusulas do foral.
Por
outro lado o estabelecimento dos foros devidos ao senhor, a que quase se
resumem estes forais, tem alguma importância. Por exemplo, é de notar uma maior
carga sobre os habitantes da Sanguinheda, que já é menor sobre os da Carapinha
e Lufreu, e um benefício evidente para os da Moita, transparecendo que os
primeiros já estariam bem implantados no terreno e com proveitos importantes.
Instalado
o concelho, ter-se-ia construído a respectiva casa da câmara e defronte erguido
o pelourinho, situados num dos largos da povoação. A câmara seria formada por
um juiz, vereadores, um tabelião e um procurador, cujas competências estavam
devidamente regulamentadas em ordenações régias.
Ao
juiz, nomeado pelos senhores de Pombeiro, e aos vereadores, eleitos pelo
concelho, competiam as decisões na administração do concelho e a emissão das
posturas municipais. A câmara podia ainda, no exercício das suas funções,
servir de tribunal colectivo em pequenos delitos. O tabelião estava encarregado
de escriturar as receitas e despesas municipais, os assentos de deliberações
tomadas pela câmara e as certidões a ela requeridas. Destes actos deveria ser
lavrada notícia no “Livro da Câmara da Sanguinheda” e este, juntamente
com outros documentos, deveriam serem guardados na arca do concelho. Destes testemunhos,
que seriam de interesse indiscutível para a nossa história, apenas subsiste a
notícia da sua existência no “Livro do Tombo dos Passais da Igreja de
S. Martinho”, para onde foram trasladados alguns documentos de interesse
para esta igreja.
Como
era de esperar, a vila da Sanguinheda foi-se continuando a desenvolver ao longo
dos tempos de modo condizente com a sua importância. Colocada entre montes, em
ligeiro declive, estava localizada à beira da antiga via romana que unia
Coimbra a toda a Beira Serra e recebia nas suas proximidades a estrada que
ligava o porto da Raiva a este importante eixo de desenvolvimento de toda esta
região desde tempos recuadíssimos.
Ao
tempo, a vila possuía uma cadeia, situada defronte à casa da câmara e, segundo
a tradição do povo, um local onde eram condenados à morte os presos mais
graves, o Outeiro da Forca. Dizem também que ao lado da cadeia, numa rua que
chamam da Praça, se situava o mercado onde o povo do concelho e arredores ia
comprar e vender os seus produtos. Ao fundo da vila, a que chamam a Moita,
situava-se o curral do concelho e a pousada, onde os magistrados que aqui
vinham tratar dos seus afazeres deixavam as suas montadas e podiam pernoitar.
A
outra parte da freguesia de S. Martinho continuaria fortemente vinculada ao
senhorio de Pombeiro e beneficiou igualmente de carta de foral, passada a 10 de
Novembro de 1513 pelo Rei D. Manuel I à vila de Pombeiro, bastante mais
pormenorizado que o da Sanguinheda mas de teor idêntico em muitos aspectos.
A
partir desta altura as duas partes da freguesia de S. Martinho, a que foi
constituída em concelho e encabeçada pela Sanguinheda e a que, pertencendo ao
concelho de Pombeiro, tinha na Cortiça e na Póvoa de S. Martinho os núcleos
mais importantes da parte de cá do Alva, continuaram a fazer parte da mesma
unidade política e eclesiástica – a freguesia de S. Martinho. Apesar da Sanguinheda
possuir uma certa autonomia administrativa, a confirmação das suas justiças
pertencia aos senhores de Pombeiro e a sua população continuava dependente da
matriz de S. Martinho.»